Direito Civil. Machado de Assis. Quincas Borba e o direito de herança de animais de estimação. Animais são titulares de direito? Podem herdar? Condição, Termo e Encargo. Entenda a diferença.

Esta questão abaixo foi extraída do concurso para Juiz de Direito do Piauí 2015, banca Fundação Carlos Chagas:

“Quando o testamento foi aberto, Rubião quase caiu para trás. Advinhas por quê. Era nomeado herdeiro universal do testador. Não cinco, nem dez, nem vinte contos, mas tudo, o capital inteiro, especificados os bens, casa na Corte, uma em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e de outras instituições, joias, dinheiro amoedado, livros ? tudo finalmente passava às mãos do Rubião, sem desvios, sem deixas a nenhuma pessoa, nem esmolas, nem dívidas. Uma só condição havia no testamento, a de guardar o herdeiro consigo o seu pobre cachorro Quincas Borba, nome que lhe deu por motivo da grande afeição que lhe tinha. Exigia do dito Rubião que o tratasse como se fosse a ele próprio testador, nada poupando em seu benefício, resguardando-o de moléstias, de fugas, de roubo ou de morte que lhe quisessem dar por maldade; cuidar finalmente como se cão não fosse, mas pessoa humana. Item, impunha-lhe a condição, quando morresse o cachorro, de lhe dar sepultura decente, em terreno próprio, que cobriria de flores e plantas cheirosas; e mais desenterraria os ossos do dito cachorro, quando fosse tempo idôneo, e os recolheria a uma urna de madeira preciosa para depositá-los no lugar mais honrado da casa. “(Assis, Machado de. Quincas Borba. p. 25. Saraiva, 2011).

As exigências feitas a Rubião consubstanciam
A)   termo final.
B)   condição resolutiva.
C)   condição suspensiva.
D)   termo inicial.
E)   encargo.

(A resposta trarei nos parágrafos logo abaixo.)

Antes, é preciso entender alguns conceitos básicos de Direito Civil: personalidade jurídica é o atributo conferido às pessoas que, portanto, podem ser titulares de direitos e deveres. Bens são objeto de direito. Animais são considerados bens semoventes e, portanto, não têm personalidade jurídica.

Não há dúvidas de que são protegidos nas normas de proteção ambiental. O titular do direito, no entanto, é o dono do animal ou a coletividade. Assim, como bem ilustrado no excerto acima de Quincas Borba, um animal de estimação, por exemplo, na legislação brasileira, não pode receber herança, pois enquanto bem (bem semovente) não possui personalidade jurídica.

No entanto, é possível deixar bens de forma indireta para beneficiar o animal. Ex.: faço uma doação/pagamento de renda mensal para que um terceiro tome conta de meu animal de estimação; ou ainda deixo bens para formação de uma fundação, ong etc. De forma direta, porém, não se beneficia o animal. Só pessoa – como o sortudo Rubião –  pode ser titular de direitos e deveres.

Finalmente, comentando a questão, a resposta correta é letra E) encargo. Encargo ou modo é uma determinação que, imposta pelo autor ao beneficiário. No caso, como leciona Sílvio Venosa: “O encargo ou modo é a restrição imposta (cuidar do cão) ao beneficiário (Rubião) da liberalidade (herança).

É admissível também em declarações unilaterais de vontade, como promessa de recompensa. Um modo prático de identificar um encargo é a presença de expressões como “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”.

Com relação à Condição, Pontes de Miranda ensina que o ato pode existir e pode ser válido juridicamente, entretanto contra ele pode constar uma condição que o impeça de operar, até que esta condição se satisfaça. Em suma, a condição é uma cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto. Se for suspensiva subordina o início dos efeitos até que a condição imposta ocorra. Gera expectativa de direito. Ex.: doarei um carro se você passar em 1º lugar no vestibular. Se for resolutiva:  quando ocorre a resolução da condição ela põe fim ao negócio jurídico. Ex.:  constituo uma renda em seu favor, enquanto você estudar.

Já o termo é o dia que começa ou acaba um negócio jurídico.

Pode ser: a) termo certo quando a prefixação do termo é certa quanto ao fato e ao tempo de duração (ex. contrato de locação a partir da ; b) termo incerto, termo certo quanto ao fato, mas, incerto quanto à data(ex.: morte – a morte é uma certeza, mas a data não).

c) termo suspensivo (inicial ou dies a quo), gerando direito adquirido ao titular, posto que impede somente o seu exercício, mas não a sua aquisição; d) termo resolutivo (final ou dies ad quem), que coloca fim aos efeitos do negócio jurídicos (ex. até quado tal evento acontecer).

cachorro recebe herança

Assim, no Brasil não é possível que um animal ou objeto inanimado recebam herança, pelo simples fatos de não serem titulares de direito e, sim, bens e, portanto, sem personalidade jurídica. Cheers.

Sobre ricardonagy

USP/PUC-SP. Bacharel em Direito PUC-SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Civil pela EPM-TJSP. Bacharel e Licenciado em Letras Inglês/Português USP. Pós-graduado em Tecnologias Interativas Aplicadas à Educação PUC-SP.
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